Conhecido e reconhecido por todos os amantes do atletismo, Baltazar Sousa marcou a história do atletismo nacional com as inúmeras vitórias e recordes que foi conquistando com muito suor e lágrimas.
Foi campeão regional, campeão nacional, esteve presente em dois campeonatos do Mundo e hoje, com 44 anos, para além de continuar a correr por prazer, incute valores e ensinamentos nos jovens que treina.
Outrora menino de bairro, a corrida sempre foi a base das suas brincadeiras, até quando o seu pai lhe pedia para fazer um recado, este era realizado numa verdadeira corrida só para se manter sempre em movimento. Começou a competir com umas sapatilhas em que a sola era a planta dos seus pés, foi contornando e vencendo os vários obstáculos que a vida e o atletismo lhe foram colocando, sendo hoje, ao fim de 30 anos de carreira, um atleta de elevado prestígio, admirado e acarinhado por todos.
Baltazar Sousa, no seu jeito simpático e humilde, numa entrevista que foi mais uma conversa de amigos, recebeu o iPressGlobal em frente à porta do seu primeiro clube, o Boavista. Conheça agora um pouco mais deste verdadeiro campeão.
iPressGlobal(iPG): Estamos em frente ao estádio do Bessa, casa que te permitiu iniciares uma carreira de sucesso. Como é que começaste no atletismo?
Baltazar Sousa(BS): Eu morava com o meu pai no bairro das Campinas e enquanto os meus amigos se divertiam a jogar à bola, eu divertia-me a correr e a ver os atletas a correr. Sempre tive a tendência de correr, eu ia fazer um recado e não ia a passo, ia a correr! Aos 12 anos surge no bairro um clube de atletismo, o Centro Cultural Bairro das Campinas, e comecei a correr com eles.
iPG: Mas a tua carreira a sério começa no Boavista, certo?
BS: Sim, eu vim logo para o Boavista porque tinha uma explicadora que era diretora do Boavista e quando viu um miúdo a correr tanto, resolveu trazer-me para cá, onde fiz o meu primeiro teste a correr atrás de uma “menina”, menina essa que era nem mais nem menos a Albertina Dias, uma campeã! E aproveito para contar uma história curiosa: Comecei em Outubro no Boavista e em Dezembro participei no Grande Prémio do Natal do Clube Atlântico da Madalena. Ganhei a prova com a camisola do Boavista mas com as minhas sapatilhas da feira, sapatilhas que eram rotas por baixo e os meus dedos pisavam o paralelo. Quando chego ao fim da prova reparo que o Sr. Tavares Rijo, vice-diretor do Boavista, estava em lágrimas por ter assistido à situação e logo de seguida oferecem-me umas sapatilhas Asics, as que eu limpava sempre que usava e ao domingo saía sempre com elas, foram as minhas primeiras sapatilhas de marca! Foi no Boavista que fiz a minha carreira como jovem e onde fui campeão regional de iniciados e de juvenis.
iPG: E depois do Boavista veio o grande salto para o Benfica…
BS: Depois de sair do Boavista ainda andei por outros clubes, continuei a fazer marcas e a dar nas vistas até que surge o convite do Benfica, o qual aceitei de imediato, tinha na altura 17 anos. O meu treinador era o Professor Jorge Ramiro.
iPG: Foi no Benfica que atingiste o teu auge desportivo…
BS: Foi nessa altura que confirmei todo o trabalho que vinha a ser feito desde o meu começo nos iniciados, foi aí que consegui atingir os mínimos para ir ao campeonato do Mundo e estabelecer a 4ª melhor marca da Europa e 9ª melhor do mundo em termos de ranking do ano, fui ainda campeão nacional de juniores. Mas também foi no Benfica que começou o meu calvário…
iPG: Como assim?
BS: Nessa altura tive a minha decadência psicológica, porque eu estava no meu canto, vou para um clube ao qual eu não fui bater à porta, fui todo entusiasmado, sentia-me com valor e de repente, aquando da entrada na época de sénior, o Benfica optou por recrutar os melhores atletas do FC Porto, José Regalo, António Pinto, Paulo Catarino entre outros, e “empandeirou” os jovens promissores que foram campeões nacionais de juniores, no meu caso fui para o Belenenses, clube onde não recebia! Faltou-me o apoio financeiro e o apoio da própria federação, porque nessa altura eu era um atleta de alta competição! Mas nunca deixei de treinar!
iPG: Foi uma reviravolta. Como encaraste a situação?
BS: Fui procurar um emprego! Comecei a trabalhar numa empresa de segurança em que servia de correio humano, andava durante todo o dia entre os vários escritórios da EDP na cidade do Porto a entregar correio. Nessa altura senti-me humilhado e triste porque pensava que tinha estado no Benfica, tinha conquistado títulos e representado um País no atletismo. Eu só lia de vez em quando nos jornais “Onde está o Baltazar? O que é feito do Baltazar?” Nunca tive ninguém que me estendesse a mão, fui sofrendo sozinho todo este desgosto e adversidade…
iPG: Foi a maior dificuldade na tua carreira?
BS: Sim, até porque começa aqui a falsidade! Saio do Belenenses e vou para o clube Casa do Benfica no Porto com a esperança de regressar ao Benfica, uma vez que era essa a promessa, e também tinha a promessa de aumento no meu subsídio de forma a permitir-me praticar o atletismo de forma profissional. Terminou a época e eu saí porque apesar de ter sido o melhor atleta da equipa, aumentaram naquela época, 500 escudos! Não foi pelo valor mas sim pela atitude, 500 escudos não era expressivo! Continuei na mesma sempre a treinar e a evoluir, cheguei a treinar muitas vezes com a Rosa Mota às 6:30h, ia trabalhar e depois do trabalho ia novamente treinar com afinco e como um profissional. Mas confesso que nessa altura pensei mesmo em desistir…
iPG: Faltavam as forças para continuar?
BS: Sim! Na altura casei, com a minha esposa Albina Gavina também ela atleta, fui morar para a Póvoa do Varzim, vinha todos os dias para o Porto trabalhar, as viagens eram aborrecidas e com todos os acontecimentos passados pensei mesmo em desistir, até que um dia estava eu em casa quando alguém me bate à porta. Era a Aurora Cunha, que não sei como, descobriu onde eu morava, foi um anjo que me apareceu. Ela entrou e disse: “ Oh Cabaneira anda treinar, equipa-te e anda embora!” E fomos treinar para o campo de golfe da Estela e voltei a sentir-me como dantes, a lembrar-me dos tempos passados e a partir daí nunca mais pensei em desistir, sempre com o apoio da Aurora, que fez muito por mim!
iPG: Que balanço fazes dos teus 30 anos de atleta?
BS: (silêncio prolongado) Divido em duas fases…a 1ªfase foi de um sonho que eu não queria acordar, a 2ªfase foi o pesadelo em que eu quis acordar depressa mas não acordei. A coisa mais positiva foi ter formado uma família onde todos são desportistas e conhecido a minha mulher no desporto, este foi sem dúvida o prémio mais valioso que já tive!
iPG: Já pensaste no dia em que vais pendurar as sapatilhas e deixar de correr?
BS: Não penso! Vou parar quando morrer! O que me motiva ainda hoje, mesmo depois das dificuldades desportivas, é a paixão pelo atletismo!
iPG: É mais fácil correr hoje ou há 20 anos atrás?
BS: É bem mais fácil correr hoje, acredito que hoje os meios de comunicação ajudam a valorizar e publicitar os feitos de um atleta. Há 15 anos atrás eu ia treinar de manha cedo e era insultado! No meu próprio emprego, eu era olhado de lado por sair à minha hora para ir treinar! Hoje vejo que isso é aceite como normal. Hoje é mais fácil ser elogiado e apreciado, vejo atletas que têm marcas banais, a serem mais valorizados do que aqueles que há 20 anos batiam recordes.
iPG: Sentes-te um atleta respeitado?
BS: Sinto mais do que isso, sinto um carinho enorme! Quando vou correr as provas principalmente aqui do Porto, ouço sempre muitos incentivos quer vá em primeiro lugar ou em último. Quando chego à meta pareço o vencedor!
iPG: Qual foi a prova que mais te marcou?
BS: A 1ª Maratona do Porto. Foi um grande desafio, ninguém esperava que eu fosse o melhor e recordo-me que a Aurora antes da prova avisou-me que aos 30km eu poderei sentir dores em locais específicos o que de facto aconteceu. As palavras da Aurora foram a minha companhia durante toda a corrida e apesar das dificuldades aos 30km, terminei essa prova em 7º na geral e fui o melhor Português!
iPG: Para além de atleta, és treinador do Ginásio Vilacondense. O que transmites aos teus atletas?
BS: Tenho um grupo de jovens atletas com idades entre os 7 e os 24 anos. O meu objectivo é formá-los para serem campeões para a vida. Se eles são dedicados no treino, se são disciplinados, se eles têm objectivos nas provas, eu quero que eles transportem isso para os estudos e para a vida! Obviamente que quero que a carreia deles no atletismo evolua, mas quero que tudo de bom que agora fazemos, seja aplicado dia-a-dia no presente e no futuro. Só quero ser um simples treinador que os possa treinar, fazê-los felizes e transmitir valores para o futuro deles!
iPG: Para terminar Baltazar, desafio-te a responderes espontaneamente e numa só palavra…
Adoras… a Deus
Detestas… falsidade
Admiras… a minha Família
Respeitas… o meu próximo
Acreditas… fazer mais e melhor
Desejas… viver só para o atletismo!
REPORTAGEM E FOTOS: MÁRIO TAVARES - iPressGlobal mario.tavares@ipressglobal.com