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A região de Chernobyl, na Ucrânia, próximo da fronteira bielorrussa, onde há 30 anos aconteceu o desastre nuclear, é hoje cartaz turístico, escreve Svetlana Alexievich, distinguida no ano passado com o Nobel da Literatura, na obra “Vozes de Chernobyl”.

A atribuição do Prémio Nobel à escritora bielorrussa “confirmou o fenómeno: a realidade chama pelos escritores”, afirma o jornalista Pedro Moura, no prefácio da obra.

Svetlana Alexievich, segundo o autor do prefácio, “fez mais” do que “o relato culto e inteligente do que se passa”, e a “realidade [de Chernobyl] exigia a presença dos escritores”.

A obra é apresentada na próxima terça-feira, quando se completam 30 anos sobre o desastre, às 18:30, na FNAC do Chiado, em Lisboa, numa sessão que conta com a participação da tradutora para português, Galina Mitrakhovich, da crítica literária e autora Filipa Melo e dos jornalistas José Milhazes e João de Almeida Dias.

O fio narrativo desta obra são as pessoas que a escritora encontrou, as suas histórias, e como o desastre nuclear da então central soviética em território bielorrusso, as afetou, sobrepondo as diferentes vozes, com as quais compõe a obra literária.

chernobyl-zone-29-years-later-ukraine-1A obra divide-se em sete partes e um epílogo. Uma “introdução histórica”, um texto que intitula “uma solitária voz humana”, que é testemunho de Liudmila Ignatenko, mulher de um falecido bombeiro, e uma entrevista da autora a si própria, antecedem os três capítulos em que conta o desastre, desde os primeiros momentos de pavor e pânico, e também de incerteza, até à confrontação com a realidade que irá persistir por “muitas gerações”.

O epílogo é precedido de um outro testemunho, também intitulado “uma solitária voz humana”, em que, desta feita, fala Valentina Timoféievna Apanassévitch, mulher de um liquidador.

Valentina Apanassévitch diz: “Não sei como fui capaz de começar a viver novamente”. Embora admita que seja possível esquecer, está sempre a recordar os que morreram em consequência da fuga radioativa, como o seu marido, que “esteve a morrer durante muito tempo… Um ano inteiro…”.

Na auto-entrevista, a autora afirma-se testemunha de Chernobyl, que aponta como o principal acontecimento do século XX, e esclarece que esta obra, que levou 20 anos a escrever, não é sobre o desastre, “mas sobre o mundo de Chernobyl”, ocupando-se da “história omitida”.

Svetlana Alexievich afirma que escreve sobre “os sinais sem deixarem sinal, da nossa permanência na terra e no tempo”.

O desastre na central nuclear da então URSS, em território ucraniano de Chernobyl, “ultrapassou o holocausto” e “sugere finitude”, “vai ao encontro de nada”, atesta.

“Escrevo e recolho o quotidiano dos sentimentos, dos pensamentos, das palavras. Tento captar a vida diária da alma. A vida de um dia comum das pessoas comuns”, mas, “neste caso, é tudo incomum: o acontecimento e as pessoas quando se acostumam a um novo espaço”.

Para a autora, em Chernobyl “o tempo mordeu a própria cauda, o princípio e o fim uniram-se”, e acrescenta: “O mundo à nossa volta, antes complacente e amigável, agora de incúria medo”, e qualifica o acidente nuclear como “um suicídio coletivo”.

A autora destaca dois testemunhos, duas “vozes solitárias”, as de Valentina Apanassévitch e Liudmila Ignatenko, que lhe soaram mais pungentes.

Ambas as mulheres afirmam ter necessidade de chorar, e não querem; de esquecer o que aconteceu, mas estão sempre a lembrar os que morreram, as pessoas com quem partilharam esperanças e confidências.

Ao longo da obra, há outros depoimentos/testemunhos, como o do jornalista Anatoli Chimanski, que atesta que “os pescadores encontram cada vez mais peixes anfíbios, que tanto podem viver tanto em água como na terra”.

“Em breve, algo de semelhante vai começar acontecer às pessoas. Os bielorrussos vão transformar-se em humanoides”, antecipa o jornalista, que dá ainda conta de que “os bichos da floresta têm doença da radiação” e “os chernobylianos chegam a ter filhos, mas em vez de sangue, estes têm um líquido amarelo não identificado”.

Apesar da situação descrita, a zona infestada é promovida como circuito turístico, que “tem início na cidade fantasma de Prípiat”, na Ucrânia, onde “os turistas podem ver os edifícios abandonados”, percorrem “as aldeias abandonadas” e visitam o “Abrigo ou simplesmente o sarcófago”, terminando a visita junto ao memorial “dos heróis caídos em Chernobyl”.

Há ainda um piquenique com alimentos biológicos e “é prometido que, durante o dia passado na Zona, o turista apanha uma dose de radiação menor do que quando faz um raio-X”. Há contudo alguns conselhos, nomeadamente não devem nadar, comer peixe ou caça capturados na região, “nem oferecer às mulheres flores silvestres”.

Uma situação que afeta uma vasta região e ultrapassa fronteiras, e que atinge ainda o território da atual República da Bielorrússia.

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