1. Introdução
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é um tema demasiado sério e complexo para ser abordado de forma leviana e oportunista, como, infelizmente, se viu ao longo da dezena e meia de anos da sua existência… Julgo que se não fossem alguns “carolas” e idealistas que teimam, persistem e se batem galhardamente pela sua existência, hoje, certamente, pouco restaria.
Mas o que ainda resta, convenhamos, é algo decepcionante. Como se sentiria o Prof. Agostinho da Silva e o embaixador brasileiro Aparecido de Oliveira, “pai” da CPLP, se fossem vivos? Com certeza bem tristes… Mas ainda estamos a tempo de a reconstruir!
Não gostaria de entrar em rota de colisão sobre esta matéria seja com quem for. Desde logo por ter a ideia de que a CPLP se pode incluir num futuro e pujante desenvolvimento político, económico, social e cultural dos povos dos oito países que falam a Língua Portuguesa e não só, ou, como também se diz, da Lusofonia.
2. A CPLP precisa de líderes com visão Universalista e Humanista
Da “euforia” de há alguns anos, vivemos hoje com perplexidade o processo recessivo na globalização das economias mundiais, fenómeno que atinge todas as sociedades, mercê principalmente da desregulação dos mercados financeiros, onde os especuladores continuam o seu papel de usurários, sem que ninguém lhes imponha regras e os controle, apesar dos impactos negativos nas políticas económicas e sociais em todo o Mundo.
Infelizmente, nas nações onde se fala português, não vemos um Estadista de gabarito, capaz de falar em nome dos 250 milhões de Lusófonos, sem prejuízo de considerar que o atual Secretário Executivo da CPLP, Domingos Simões Pereira, é um homem de boa vontade. E eu bem gostaria de ver surgir, quer em Portugal, quer no Brasil, quer ainda em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S.Tomé e Príncipe ou Timor, um Estadista com visão humanista e universalista, que me desmentisse…
Neste mundo dito globalizado, assistimos à submissão quase cega do poder político aos interesses do poder económico e dos chamados mercados, enquanto que os ‘alicerces’ da civilização, como a saúde e a educação, são postergados para as calendas gregas… Hoje, infelizmente, já começam a ser temas “tabu” e, qualquer dia, porventura, já nem podemos falar deles e quiçá contestar ou manifestar indignação pelo que não foi nem está a ser feito.
3. A realidade e as potencialidades da CPLP
É muito bonito ser-se idealista e/ou visionário, mas importa acima de tudo ser-se realista. Ora, até agora, na CPLP, só tem havido dois países contributivos: Portugal e Brasil. Os restantes limitam-se a usufruir, já que só agora Angola começou a contribuir, sendo certo que Moçambique e Cabo Verde também já o podiam ter feito.
Importa tomar consciência da realidade e das potencialidades da CPLP. Por isso, saliento:
– A população total dos 8 países da CPLP ronda os 244 milhões, ou seja, é a 5ª mais populosa do mundo, sendo certo que existem ainda muitos emigrantes portugueses e brasileiros, principalmente, espalhados por muitos países;
– Se a CPLP fosse um Estado (federal ou confederal?) seria em área o 2º maior do mundo, a seguir à Rússia e com a China logo a seguir;
– Só que o país da CPLP com melhor índice de desenvolvimento no Mundo é Portugal, mas em 27º lugar, seguindo-se-lhe o Brasil em 63º, sendo a Guiné-Bissau quase o último no 172º lugar… daí que Portugal tenha o PIB per capita maior (18105 USD), seguindo-se o Brasil (6771 USD) e os demais a uma grande distância…
– Entretanto, a Guiné Equatorial pediu adesão à CPLP, tendo já adoptado o português como língua oficial, sendo a ilha Maurício e o Senegal observadores, além de que a nossa língua é falada em várias outras regiões do mundo (Galiza/Espanha, Goa/Damão/Diu, na Índia, Malaca, Macau/China, etc).
Ora, coexistindo na CPLP países de toda a escala do desenvolvimento económico, com evidentes oportunidades de negócio, seria de esperar que a simples existência de uma plataforma de diálogo multilateral potenciasse uma maior dinâmica empresarial, pois não são os governos que fazem os negócios, embora seja a eles que compete criar condições para a sua concretização. Porém, na CPLP não tem sido assim, infelizmente.
Veja-se a inoperância do Brasil e de Portugal, desde logo no campo político-económico, mormente agora que a crise internacional e uma recessão mundial a todos ameaça. Portugal ainda não conseguiu rentabilizar a sua posição de membro da UE (União Europeia) com capacidade de ligação a África e à América do Sul. E tal é, também, o caso do Brasil, só apostado em liderar a América Latina e o Mercosul, em vez de fazerem ambos todo o esforço para que a UE e o Mercosul estabeleçam um acordo o mais alargado possível.
4. O que a CPLP já podia ter feito
Ora, eu como muitos dos que falam português, face a tudo isso, não podemos deixar de interrogar os Governos e os dirigentes dos oito países da CPLP:
- De que se está à espera para constituir um Banco de Desenvolvimento, ou pelo menos um Fundo, susceptível de financiar projetos em qualquer um dos 8 países da CPLP, que lhes possibilite um desenvolvimento sustentável?
- O que impede que seja criada uma companhia de aviação, mesmo a partir de uma das já existentes, capaz de melhor ligar os oito e os países mais próximos, aproximando povos, cultura, negócios e até o turismo?
- E nessa medida o que obstaculiza que a CPLP crie um Passaporte unificado ou pelo menos convergente, com canais próprios nos aeroportos principais, de modo a facilitar a circulação dos cidadãos?
- E qual é a dificuldade de se criar um Conselho Económico e Social da CPLP, onde os Governos, as confederações empresariais e as confederações sindicais estabeleçam as bases para os investimentos, a circulação de pessoas e bens e relações laborais, pelo menos convergentes, entre os oito países?
- O que esperam os países da CPLP para exigirem que a Língua Portuguesa seja uma das línguas oficiais da ONU, visto ser falada por cerca de 250 milhões de pessoas no Mundo?
- De que se está à espera para criar uma Academia Lusófona, susceptível não só de harmonizar os saberes e as disciplinas dos vários cursos, mas também a coordenação do reconhecimento mútuo desses vários cursos e ainda, pelo menos, a troca de informações mútuas sobre investigação científica e inovação?
Creio que perguntei o suficiente para se perceber o muito que a CPLP ainda não fez e já podia ter feito. Não culpo os oito por isso, mas sim os países mais desenvolvidos e ricos (Angola, Brasil e Portugal), que egoisticamente não souberam ser “motores”, como podiam e deviam.
Na verdade, a CPLP não passa, por ora, de uma organização composta por pessoas indigitadas pelos governos dos oito, reflectindo-se, portanto, no seu seio, toda uma gama de egoísmos políticos, económicos, sociais, culturais e pessoais de quem lá está… O circuito é absolutamente fechado. Não há visibilidade do que se passa, enquanto os programas aprovados nas Cimeiras são uma mera justificação para que se não diga que nada se faz… Só que não se difunde sequer um vulgar “relatório e contas” da sua evolução…
Apenas lembro os vários golpes e assassínios vividos na Guiné-Bissau, especialmente desde 1999, onde a democracia é meramente formal, pois quem lá manda são as armas dos militares, ao que dizem às ordens do tráfico de drogas, que levam a apelidar tal país de ‘narco-estado’. Mais, Angola continua a ser uma ditadura. E a CPLP nada faz porquê?
Resta salientar que, tal como na época das Descobertas, é o mar que une os oito países, mas os mesmos ainda nem sequer pensaram em unir esforços no sentido de constituírem uma frota pesqueira susceptível de concorrer com qualquer outra no Mundo… porquê?
5. O que a CPLP pode fazer já
A verdade é que a CPLP não pode servir só para umas “reuniões e passeatas”, sem que os cidadãos sintam a sua utilidade e, neste campo, as associações cívicas, sociais e culturais podem e devem reivindicar e exercer um papel essencial. Independentemente disso, todos sabemos que o futuro reside na juventude. Por isso, lanço três simples ideias.
a) Jogos da Lusofonia: a realizar de 4 em 4 anos, um ou dois meses antes dos Jogos Olímpicos, reunindo as seleções dos oito países para competirem/treinarem nas modalidades mais “populares”: atletismo, natação, ginástica, basquetebol, futebol, etc.
b) Geminação de Escolas/Universidades dos países da CPLP: possibilitando que os alunos e professores de uma escola secundária portuguesa (e logo que possível várias universidades) se correspondam com os de uma brasileira, ou caboverdeana, ou guineense e por aí fora até Timor e vice-versa. Tal correspondência tanto podia ser via net, para as que já a possuem (e muitos alunos portugueses e brasileiros já têm computador em casa), como podia ser, por ora, através de simples carta (no caso das escolas dos restantes países). Mais, seria de pedir às grandes empresas que seguissem o exemplo da PT (Portugal Telecom), que já concedeu prémios aos melhores estudantes para visitarem outro país da CPLP, assim se patrocinando “intercâmbios escolares lusófonos”.
c) Fórum das associações Lusófonas a comunicar entre si em português. Um exemplo concreto é o MIL (Movimento Internacional Lusófono), no campo sócio-cultural, que reúne 5.0000 cidadãos, não só dos países da CPLP, mas também da Galiza/Espanha, Goa/Índia, Malaca e Macau/China. O mesmo já sucede com associações de empresários e Câmaras de Comércio, o que se devia incrementar, para tratar de negócios e até de formação profissional/empresarial. A partir destas experiências, bastaria ter um núcleo coordenador.
Autor: Jorge da Paz Rodrigues