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foto: Rodrigo Antunes / LUSA

O Tribunal de Contas (TdC) considera que a privatização da ANA em 2013, durante o Governo de Passos Coelho, “não salvaguardou o interesse público”, ficando 71 milhões de euros abaixo do preço oferecido pela Vinci.

Foi divulgado, nesta sexta-feira, o relatório do Tribunal de Contas que analisa a privatização da ANA – Aeroportos de Portugal em 2013, num negócio liderado pelo Governo PSD/CDS-PP com Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro.

Esta privatização “não salvaguardou o interesse público, por incumprimento dos seus objectivos”, concluiu a auditoria do TdC, conforme se pode ler no relatório.

venda de 100% do capital da ANA à empresa francesa Vinci foi iniciada em 2012 e concluída em 2013 pelo Governo de Passos Coelho, no âmbito de um pacote de privatizações que incluiu também os CTT, a REN e a TAP.

No caso da TAP, a privatização foi depois parcialmente revertida pelo Governo seguinte do PS (com apoio parlamentar de PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes), liderado por António Costa.

Naquela altura, Portugal estava a ser alvo de um programa de assistência financeira negociado entre a ‘troika’ e o Governo.

Desconto de 71,4 milhões de euros

Quanto à privatização da ANA, a  auditoria do TdC considerou que não foi “minimizada a exposição do Estado Português aos riscos de execução relacionados com o processo” de venda, nem se acautelaram “cabalmente os interesses nacionais”.

Além disso, o TdC entende que não foi “maximizado o encaixe financeiro resultante da alienação das acções representativas do capital social da ANA”, nem se reforçou a “posição competitiva, do crescimento e da eficiência da ANA, em benefício do sector da aviação civil portuguesa, da economia nacional e dos utilizadores e utentes das estruturas aeroportuárias” geridas pela empresa.

O preço de venda da ANA (1.127,1 milhões de euros) ficou 71,4 milhões de euros abaixo do valor oferecido pelo grupo francês (1.198,5 milhões), de acordo com as conclusões do TdC.

Além disso, o Tribunal sublinha que o Estado concedeu à Vinci os dividendos de 2012, da ordem dos 30 milhões de euros, quando a ANA ainda era uma empresa pública, e que “suportou o custo financeiro da ANA para cumprir o compromisso assumido no contrato de concessão”, isto é, os juros, as comissões e os impostos da ordem dos 41,4 milhões de euros pagos no âmbito do empréstimo de 800 milhões que a empresa fez.

Negócio foi “um escândalo”

O secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos (SITAVA), Paulo Duarte, não fica surpreendido com as conclusões do TdC. “O único espanto que temos é ter demorado tanto tempo, cerca de dez anos, a chegar a estas conclusões”, nota em declarações à Rádio Renascença.

Paulo Duarte considera que o negócio foi “um escândalo” e que foi mau, em primeiro lugar, para os trabalhadores “porque aquilo que a Vinci veio trazer para Portugal foi acabar com a contratação colectiva, criar dificuldades às empresas com aumentos das taxas”.

O secretário-geral do SITAVA refere-se ao que define como um “desconto de amigos”, salientando que “o representante do vendedor era o mesmo representante do comprador”.

Paulo Duarte destaca “as coincidências” pelo facto de a privatização da ANA ter sido acompanhada pelo escritório de advogados de José Luís Arnaut, ex-político do PSD que é, actualmente, “chairman” da gestora aeroportuária.

“Isto é um negócio da China. É só aumentar as taxas, o que se quiser e é sempre dinheiro a entrar”, aponta ainda, prevendo que “muito ainda se irá falar aquando da decisão do novo aeroporto” e concluindo que “o Estado está refém”.

ANA discorda das conclusões do Tribunal de Contas

A ANA Aeroportos rebate as considerações do TdC,  “designadamente quanto aos (alegados) desequilíbrios dos contratos de concessão a favor do privado e em especial no que respeita às taxas aeroportuárias e à receita da concessão“, conforme constata o relatório da auditoria.

A auditoria tinha sido pedida pela Assembleia da República para examinar, face às leis aplicáveis e aos contratos de concessão celebrados, se a privatização da ANA salvaguardou o interesse público.

Na pronúncia sobre as conclusões do TdC, incluída no relatório do juiz conselheiro José Manuel Quelhas, a ANA refutou “todas as considerações produzidas”, nomeadamente de que “o pagamento inicial não se revelou um benefício financeiro para o Estado e que constituiria um abatimento ao preço da privatização”.

A gestora aeroportuária da Vinci realçou ainda que o contrato de concessão celebrado com o Estado enquadra-se na excepção ao regime das parcerias público-privadas (PPP), “por constituir uma concessão atribuída através de diploma legal” e por “o contrato de concessão ter sido celebrado com uma entidade, à data, de capitais exclusivamente públicos”.

Já sobre a ausência de reforço da posição competitiva, do crescimento e da eficiência da gestora aeroportuária, a ANA refutou que, desde 2014 até ao presente, o tráfego nos aeroportos sob a sua gestão passou de 32 milhões para 56 milhões de passageiros, “perfazendo um crescimento anual de 6,3%”.

Assim, a ANA estimava que, de acordo com a evolução registada, o tráfego na sua rede, em 2023, tenha sido de cerca de 66 milhões de passageiros.

A gestora aeroportuária salientou que o seu desempenho positivo ao longo da última década resultou num encaixe adicional de impostos a favor do Estado e que pagou 8,5 milhões de euros em 2023, no âmbito do mecanismo de partilha de receitas com o Estado.

Já no que respeita à existência de um monopólio fechado, a empresa sublinhou que o processo de privatização “não originou qualquer modificação do objecto da concessão de serviço público aeroportuário atribuída à ANA”, uma vez que se manteve “inalterado o conjunto de aeroportos que já se encontravam anteriormente concessionados à ANA”.

Parpública alega que houve duas avaliações em 6 meses

A gestora aeroportuária lamentou “a impossibilidade de uma análise mais profunda [ao relatório] no curto prazo concedido, ainda que prorrogado, e a consequente incompletude do exercício do contraditório” e manifestou “a sua disponibilidade para qualquer esclarecimento ou informação adicional”.

Por sua vez, a Parpública, num contraditório assinado pelo presidente do conselho de administração, José Realinho de Matos, rejeitou que a ANA tenha sido privatizada sem avaliação prévia, como considerou o TdC.

Realinho de Matos insistiu que foram feitas duas avaliações com seis meses de intervalo, uma pelo CCA e outra pelo BIG.

A Parpública também não aceitou a conclusão de que a oferta da Vinci foi sobreavaliada, “por ir contra a própria natureza, a lógica, objectivos e regras estabelecidas para a operação de venda por negociação particular, estruturada em várias fases”.

Quanto a uma discrepância de datas dos documentos enviados pela Parpública, identificada pelo TdC, a gestora de participações do Estado “rejeita ter reconhecido não ter explicação para a gralha“, causada pelo sistema documental utilizado, e sublinhou que “apresentou, de boa-fé, a explicação possível a mais de 10 anos de distância da data em que foram recebidos ou produzidos os documentos em causa”.

ZAP // Lusa

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