A questão da guerra colonial marcou sem dúvida uma das piores épocas da história recente de Portugal, fator decisivo para o início da Revolução de Abril e, por isso bastante debatida, falta no entanto uma outra abordagem sobre as atitudes tomadas em oposição à guerra, nomeadamente acerca dos desertores e refratários que por opção, abandonaram o país para fugir a uma guerra a que se opunham e de um país com o qual não se identificavam.
O cineasta Rui Simões estreou, na Cinemateca, o documentário Guerra ou Paz, e que retrata precisamente a questão da guerra na visão dos que abandonaram o país, segundo o autor “Este é um assunto de que ninguém fala. Fala-se muitos dos traumas de quem fez a guerra, e com razão, mas ninguém fala daqueles que não quiseram fazer a guerra. Mas já era tempo de falar deles. E se algum cineasta o pode fazer sou eu, porque eu sou testemunha viva da história.”
Muitos destes homens continuaram a sua luta contra o regime lá fora e portanto, a defesa do que queriam para a sua pátria continuou em Paris, Bruxelas ou Frankfurt. «Segundo estudos do professor Medeiros Ferreira, em julho de 1973, a direção da DGS enviou a todos os postos do continente vários radiogramas com pedidos de captura e interdição de saída do país de indivíduos em idade militar. Com base em documentos da PIDE, calcula-se que, em França, houvesse nesse ano cerca de 60.000 desertores, refratários e compelidos, entre os 600.000 emigrantes portugueses naquele país. Segundo números oficiais divulgados em Maio de 1974, terá havido, durante os treze anos de guerra, entre cerca de 110 a 170.000 jovens refratários e desertores», livro História da Oposição à Ditadura, 1926-1974 de Irene Flunser Pimentel.
É assim, de toda a importância, que numa altura em que se comemoram os 40 anos do 25 de Abril, se estude e dedique mais tempo à análise deste tema ainda tão polémico, que se fale não só dos que combateram mas também dos que tiveram a audácia de não o fazer. Muitas das vezes grande parte dos desertores, nas palavras de Rui Simões apenas fugiam porque não queriam matar ninguém, não queriam mudar. “Medo não só das mazelas físicas mas medo de nos transformarmos, de deixarmos de ser quem somos.”