foto: Mário Cruz / EPA
Fernando Medina diz que não falou com António Costa, Vieira da Silva não esconde o desgosto e o PS já não está a uma só voz.
O juiz Ivo Rosa arrasou o Ministério Público (MP) na leitura da decisão instrutória da Operação Marquês, falando em “falta de coerência” e em “mera especulação”. Mas o magistrado também deu início, na sexta-feira passada, à cratera que dividiu o PS e implementou um enorme silêncio no partido.
Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foi o primeiro a romper a quietude socialista, afirmando que a acusação do juiz de instrução é de “enorme gravidade e singularidade”.
Mas foi mais longe. Na terça-feira, no espaço de comentário na TVI24, Medina disse que, do ponto de vista “ético e moral”, há um “facto da maior gravidade e singularidade” que é o de “pela primeira vez na nossa história conhecida, termos em julgamento, por um crime no exercício de funções, um ex-primeiro-ministro”.
“Alguém que exerce funções de primeiro-ministro, como outro eleito, tem uma suprema responsabilidade, a responsabilidade dos milhões das pessoas que votaram e dos milhares que o apoiaram diretamente. [A confiança] é colocada em causa quando se vê uma decisão do tribunal desta natureza”, afirmou.
José Sócrates ouviu o autarca com “repugnância“. Foi numa entrevista à TVI que o ex-primeiro-ministro disse que aquele “personagem” estava a fazer-lhe “uma canalhice” a mando do líder do PS, que acusou de “cobardia moral”.
No dia seguinte, numa conferência de imprensa com jornalistas estrangeiros, atacou o seu antigo partido como nunca havia feito até agora: “O PS queria que eu fosse condenado sem julgamento.”
Depois da reação de José Sócrates, Fernando Medina disse ao semanário Expresso que “o insulto e o apoucamento não surpreendem, como também não impressionam nem condicionam em nada”. O autarca mantém “integralmente o que disse” e garante que continuará a dizer o que a sua “consciência ditar”.
Acrescentou, ainda, que as suas declarações não têm a mão do líder do PS: “Não falei com António Costa sobre este assunto”, garantiu.
À semelhança de Medina, José António Vieira da Silva, ex-ministro do Trabalho e da Segurança Social de Sócrates, repudia os comportamentos do antigo líder. “A minha leitura pessoal não deixa de ser feita com desgosto“, admitiu, em declarações ao matutino.
“Não tenho todos os dados e Sócrates contesta algumas leituras, mas considero que o titular de um cargo público tem a obrigação ética e moral de explicar de forma clara a origem de todos os seus rendimentos com toda a transparência, clareza e rigor”, considerou.
Apesar de salvaguardar que “estamos numa fase intermédia de um processo e que não há culpados porque a presunção da inocência é fundamental”, Vieira da Silva sublinha que a “acusação se baseia em factos que são graves, dizem respeito a um titular do cargo de primeiro-ministro”.
“Trabalhei politicamente com o eng. Sócrates, é publico, de forma próxima, e nunca identifiquei nenhuma situação que me parecesse atentar contra os deveres de primeiro-ministro. A pessoa com quem trabalhei não é identificada com as acusações que estão a ser feitas”, concluiu, numa referência ao tempo em que colaborou de perto com o antigo primeiro-ministro.
A decisão de Ivo Rosa fez mossa no Partido Socialista, mas o pós-tumulto é a consequência mais pesada para o PS – ainda que não seja totalmente negativa.
Um dirigente do partido disse ao Expresso que os ataques de José Sócrates “são um grande favor que faz ao PS, por não se ter posto ao lado dele” – a hostilidade do antigo primeiro-ministro, que é agora um “ativo tóxico”, parece favorecer o partido.
Mas os dirigentes socialistas não estão em uníssono: há silêncios ensurdecedores, estratégicos e declarações duras. António Costa não comenta e remete para a frase de há seis anos – Sócrates “tem direito à sua verdade”; Ana Catarina Mendes considerou uma “tremenda justiça” o ataque a Costa; Pedro Nuno Santos e Augusto Santos Silva não se pronunciam.
No dia seguinte à entrevista de Sócrates, Marcos Perestrello, deputado e membro do secretariado, disse à CMTV que era “um dia muito triste um ex-PM pronunciado por crimes tão graves”, enquanto José Luís Carneiro, número dois do partido, se recatou numa entrevista à Renascença: “o juízo moral sobre as atitudes dos outros deve ficar comigo”.
No Jornal de Notícias, o eurodeputado Pedro Marques escreveu um artigo no qual considera as acusações “muito graves” e critica uma Justiça bipolar. Pedro Delgado Alves, deputado e ex-líder da JS, disse que o PS deve fazer “um processo de autocrítica relativamente ao que correu mal”, no programa “Sem Moderação”, no Canal Q.
A líder parlamentar do PS não gostou e, na reunião do grupo parlamentar desta quinta-feira, acusou o deputado de não ter traçado a fronteira clara entre Política e Justiça.
As reações vão-se multiplicando, num partido que já não está a uma só voz, depois de o antigo primeiro-ministro ter sido ilibado dos crimes de corrupção na Operação Marquês.
Ivo Rosa acusou declaradamente José Sócrates de se ter “vendido” ao amigo Carlos Santos Silva, mas o crime já prescreveu e, portanto, o antigo PM está apenas acusado de branqueamento de capitais, arriscando até 12 anos de prisão.
Liliana Malainho, ZAP //