Este sábado, um grupo de mulheres sai às ruas no Porto contra o que consideram ser uma “cultura de violação”. O lema da Marcha das Galdérias: “vestida ou nua, a rua também é tua”.
A SlutWalk chegou a Portugal em 2011, ano em que o movimento internacional nasceu no Canadá, na sequência das afirmações de um polícia que declarou que as mulheres deveriam evitar vestirem-se como vadias – sluts – para se prevenirem contra o assédio sexual.
Apropriado no nosso país como Marcha das Galdérias, o movimento reivindica um espaço público seguro para as mulheres, onde possam estar livres de assédio – verbal, físico, moral e sexual.
O percurso tem início marcado para as 23h deste sábado, na Praça dos Leões, e termina na zona de bares, no coração da baixa portuense.
A “galdérias” apoderaram-se de um nome que é normalmente visto como um insulto para reivindicar “o direito de cada pessoa ao próprio corpo e à auto-determinação da sua aparência, sexualidade e conduta”, assumindo que a forma de vestir ou de se comportar não deve ser considerada um convite ao assédio.
(dr) Alfred Eisenstaedt / Life

“V-J Day in Times Square”, a fotografia icónica que marca o fim da 2ª Guerra Mundial
“Cultura de violação” pode parecer um exagero quando se fala de “um simples piropo”, mas as ativistas dão exemplos aparentemente inocentes, como a fotografia que se tornou um símbolo do fim da II Guerra Mundial, na qual um marinheiro beija uma enfermeira, para mostrar um caso em que o aparente romantismo esconde uma história incómoda: um desconhecido a agarrar uma mulher e a forçá-la a dar-lhe um beijo.
A desculpabilização dos agressores passa também pela forma como a comunicação social e até mesmo a justiça se refere a vítimas e agressores, por exemplo, quando as violações em contexto familiar são referidas comosimples “relações sexuais”.
No Brasil, o movimento SlutWalk – denominado Marcha das Vadias – ganhou uma grande projeção no contexto da Primavera Feminista que tem lutado, desde o ano passado, contra uma série de ameaças de retrocesso na legislação sobre direitos das mulheres, como o aborto e a contracepção.
Piropo com teor sexual é crime há um ano
Em agosto do ano passado, os piropos que impliquem “propostas de teor sexual” que “importunem outra pessoa” passaram a ser crime.
A “criminalização do piropo” passou despercebida até dezembro, quando a imprensa divulgou a alteração à lei sobre a importunação sexual, que já criminalizava o exibicionismo e os “contactos de natureza sexual”, mais conhecidos como “apalpões”.
O aditamento ao artigo 170º do Código Penal transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Convenção de Istambul, uma convenção europeia para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres, assinada em 2011.
Para as ativistas da SlutWalk, esta criminalização de convites sexuais indesejados – comentários como “Comia-te toda” ou “ó estrela, queres cometa?” – teve um efeito dissuasor importante.
Numa conversa aberta com as organizadoras do evento, que ocorreu esta quinta-feira na livraria Confraria Vermelha, a opinião quase unânime das mulheres presentes era que a nova lei legitimizou as reivindicações – que antes eram consideradas “exagero”, “histeria feminista” ou mesmo “atentado à liberdade de expressão” – de quem se sente abusada ou violentada com este tipo de comentários.
Enquanto alguns poderão ter passado a considerar que “se isto é crime, se calhar é melhor não fazer”, outros que ainda assim lançam piropos, de acordo com relatos na reunião, mostram-se menos confiantes quando as mulheres, em vez de os ignorar, passaram a responder.
No entanto, o impacto da lei ainda não é conhecido.
De acordo com os dados da PJ sobre crimes sexuais, divulgados no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) 2015, os crimes de importunação sexual geraram 4,2% dos inquéritos iniciados, surgindo em separado dos atos exibicionistas (0,03% dos inquéritos) e da coação sexual (3,5%).
No entanto, contactadas pelo ZAP, as forças de segurança não têm dados concretos sobre denúncias de importunação através de propostas de teor sexual.
Enquanto a PJ alega que não investiga este tipo de crimes, a PSP responde que “de momento ainda não possuímos dados sobre esta matéria que não sejam residuais e que possam ser trabalhados”.
Também da parte do Ministério Público ainda não existem dados disponíveis “com a especificidade pretendida”, sendo possível apenas saber que “entre 1 de janeiro e 15 de setembro de 2016 foram instaurados 517 inquéritos pela eventual prática de crime de importunação sexual (que abrange o assédio e os atos exibicionistas). No mesmo período foram deduzidas 44 acusações pelo mesmo tipo de crime”.
AF, ZAP



































