Chegam de todo o lado. Grande parte do norte do Porto. Comem desalmadamente depois da espera em fila. De pé. Um passo atrás do outro. Pacientemente. Com o estômago colado às costas. Não são dezenas. São centenas de pessoas, sem-abrigo que se dirigem de segunda a sexta até à paróquia do Marquês, nas imediações do enorme átrio da igreja portuense, para comerem uma sopa quente, dois pedaços de pão e uma outra peça de fruta ou uma fatia de bolo, conforme o que há por ali disponível.
O iPressGlobal esteve lá e viu, e registou os olhos esbugalhados, pela fome e frio que passam, noite e dia. Caras magras. Cansaço e braços cruzados numa atitude conformista. O desespero na alma e a oração e o credo na boca ainda os deixa engolir, mas até isso lhes custa.
Vale-lhes o convívio das pessoas e gente que ao lado se senta. E repete, com o mesmo jeito de meter a colher à boca, todos os dias, ali, naquele cantinho quentinho, abrigado do frio, da chuva e alegremente servido por algumas dezenas de voluntários que são pessoas como outras quaisquer. Estes são seres mais do que humanos que tiram umas horitas após um dia de trabalho, para se dedicarem a fazer o bem, não olhando a quem.
O corpo de voluntários começa a colaborar pelas 5 da tarde e só dali saem à noite, pelas 8. Presenciei todo o trabalho daquela gente que ajuda os outros e a minha vontade, em vez de fazer a reportagem, era mesmo ajudar, mas eu estava ali para fazer a minha escrita. E vi, registei. Falei com o Francisco que lidera as andanças e que gentilmente me autorizou a entrar e me disse que ali estivesse como se da minha casa se tratasse.
Mesmo assim senti-me emocionada e deveras atrapalhada, com toda aquela azáfama. Quando lá cheguei, à porta de um canto, eu vi o recanto onde servem a sopa dos pobres sem-abrigo que lá fora esperavam em fila. Uns fumavam o seu cigarrito. Outros olhavam para mim de soslaio, com ar desconfiado.
Tremeram-se-me as pernas mas avancei, pois não hesito, quando toca a factos a reportá-los. Avancei mas com toda a cautela pelo respeito que sinto perante qualquer ser humano. Muito mais por aqueles que sofrem e se assustam quando vêm alguém estranho.
A sala de jantar estava impecavelmente arranjada. Procurei um cantinho para escrever. Encontrei uma mesa redonda com um arranjo de flores. Pousei a máquina fotográfica e voltei a pegar nela. Estava nervosa. Para quê? Pensei… É que eles todos estavam lá fora com a cara colada ao vidro a espreitar. À espera e a ver quem estava por ali naquele dia a serigaitar de um lado para o outro.
Meu Deus… Como é possível? Seria curiosidade de ver quem passa, ou de quem passa fome? Desliguei das minhas emoções e toca lá a trabalhar. Peguei na máquina e truca. Uma foto aqui, outra acolá e registei as imagens de pratos vazios em tabuleiros muito alinhados. Entrei na cozinha e as mulheres como a D. Rosa concentravam-se entre algum palavreado na confecção das refeições para todos. Mãos arregaçadas, maçãs de rosto vermelhas… É preciso ver para crer, para contar como foi. Lá isso é verdade e, então, surgiu a reportagem para que todos saibam como ajudar o próximo.